quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Queda

     Estava navegando na internet quando um vídeo chegou até mim, "dois vagabundos a menos no mundo", pelos comentários percebi que era mais um daqueles vídeos celebrado por todos em que os bandidos se davam mal, cliquei torcendo para me sentir vingado de toda violência indireta e medo que sinto por morar em uma grande cidade.
     O vídeo trazia dois assaltantes entrando em uma pizzaria, enquanto apontavam as armas para a cabeça da mulher recolhiam apressadamente o dinheiro, meu estômago já se preparava para sentir a vingança, aquela mulher provavelmente tinha acordado cedo, trabalhado o dia inteiro e agora sua vida estava sendo ameaçada, senti o medo dela, lembrando-se de todas as vezes que tive que esconder o celular em uma rua escura ou passar direto pelo meu carro pois tinha alguém suspeito perto dele. Ao saírem o primeiro assaltante foi atingido no peito, tremeu e caiu, aquilo me deu alívio e prazer, "isso! Justiça!", o segundo começou a ser alvejado, um vidro se quebrou: "isso!! Pegou os dois!!", eu vibrei com toda a selvageria que existe dentro de mim, sedento de sangue e vingança, vi em câmera lenta o segundo assaltante cair, durante a queda uma fenda no tempo abriu e eu fui para outro lugar, em um futuro improvável, durante um instante eterno, quando voltei tinha lágrimas nos meus olhos e uma dor no peito como se os tiros tivessem me atingido.   
     Tenho um filho de 11 meses, ele nasceu prematuro e teve problemas para respirar por conta própria, sofremos 37 dias em uma UTI neonatal vendo ele cheio de tubos e aparelhos, esperando sempre o pior. Ele se recuperou, saiu da UTI bem, mas sempre me pego vendo se ele está respirando. Há duas semanas ele começou a se escorar nos móveis e ensaiar os primeiros passos, com medo de proteger demais eu fico de olho me segurando para ver ele aprender a cair e se levantar, é muito difícil e algumas vezes eu não aguento e resgato ele durante a queda, sempre ganho um sorriso dele celebrando o meu papel de pai herói.   
     Eu vi o segundo assaltante cair de um jeito muito parecido com o meu filho...    
     Voltei, respirei fundo, senti novamente meus pés no chão, quando me acalmei o tempo abriu-se novamente na minha frente, dessa vez fui jogado para o passado, para minhas lembranças: aos catorze anos, feliz em uma quinta-feira, conversando com um grande amigo que iria morrer algumas horas depois. Ladrões queriam seu relógio, ele, que havia trabalhado duro por ele, fugiu para o lado errado e morreu atropelado por um caminhão, a noite acabou com sangue, dor, lágrimas e revolta.   
     Voltei novamente procurando desesperadamente respostas fáceis para me agarrar: "culpa da sociedade" - "não estavam roubando para comer" - "amor ao próximo" - "são apenas jovens"... Não! Nada servia, meu cérebro havia colocado a situação perto demais para uma fuga rápida. Não havia uma resposta simples e, talvez, nem lógica. Então, vencido, parei de pensar e comecei a sentir.
     Encolhi na cadeira, contemplei a minha insignificância em mudar as coisas a minha volta, a falta de respostas e caminhos simples, senti-me pequeno e desprotegido em um mar de almas que se amam e se matam ao mesmo tempo... Afundei, paralisado pela saudade do meu amigo que nunca conhecerá o meu filho, pelo dia em que o meu filho cair e eu não estiver lá para agarra-lo... Fui ao fundo caindo tristemente na realidade.